Percebe-se que o discurso religioso sofreu consideráveis
transformações por conta da atual cultura do consumo. As mutações culturais
advindas da “pós-modernidade” não deixaram ilesas as manifestações religiosas
populares, bem como seu novo modelo teológico.
O paradigma religioso contemporâneo acompanha as atuais características
sociais de relação Eu/outro, relacionados ao imediatismo, superficialidade,
obrigação do gozo e do prazer continuo.
Não é difícil perceber que o ser humano se destitui da
condição de sujeito para a condição de objeto.
O que faz dele objeto, é justamente a impossibilidade de escapar deste
ciclo produtivo, que tem como característica o movimento de oferecer para
receber. As relações, seja ela com Deus
ou com o Outro, são marcadas pela barganha, ou seja, eu recebo da mesma medida
que eu dou.
A nova era do capitalismo é condição preponderante para
entendermos a condição atual do psiquismo humano e da sociedade. Pouco a pouco,
o espírito de consumo conseguiu infiltrar-se até nas relações com a família e a
religião, com a política e o sindicalismo, e, sobretudo com a cultura.
Segundo Lipovetsky
(2007) ultrapassamos a era do consumo para a era do hiperconsumo. Neste quadro, verifica-se um grande e
terrível paradoxo. O hiperconsumidor de um lado afirma que é um consumidor
informado e “livre”, que vê seu leque de escolhas ampliar-se, que consulta
portais e comparadores de preços, aproveita as grandes promoções, age sempre
procurando otimizar a relação qualidade/preço. Do outro, os modos de vida, os
prazeres e os gostos mostram-se cada vez mais sobre dependências do sistema
mercantil, portanto, tenho que ter para ser.
O hiperconsumidor não está mais apenas ávido de bem
estar material, preocupado com a funcionalidade e benefícios do produto, ele
aparece como solicitante de conforto psíquico. O produto para ser bom é
obrigado causar sensações de bem estar, felicidade e sabedoria.
A civilização consumista se caracteriza pelas aspirações
de bem estar e pela busca de uma vida melhor para si mesmo e os seus. Existe
uma forte idéia de que se vive mais e melhor beneficiando-se com melhores
condições materiais. O ascetismo cedeu lugar ao hedonismo.
As publicidades tendem a associar todo e qualquer
produto ao gozo no aqui e agora. São criadas necessidades que impulsionam o
indivíduo a dialética de ter para pertencer. O indivíduo é cercado de
parafernália de produtos dispostos a facilitar sua vida, e, ao mesmo tempo, a
promessa de dar com extrema rapidez o que sem o produto nunca foi possível. Em
suma, a felicidade é agora o grande projeto de marketing.
Se o indivíduo adquire um produto ele está em iguais
condições com o outro que também adquiriu. A igualdade perpassa pela condição
de ter, em outras palavras, não existe a possibilidade de escapar desta
avalanche, se o indivíduo não tem, ele está fora das normas, está desatualizado
e desassociado à modernidade. A exclusão e a inclusão relacionam-se com a
possibilidade de posse. Subjacente a
isso, percebe-se a existência de um pedido latente de emancipação, sublinhando
a igualdade de todos perante a lei, mais a cultura do consumo acentua a
diferença.
O bem estar, o prazer e o gozo imediato da sociedade
contemporânea estão associados ao exercício contínuo de afastamento do
desconforto e do sofrimento. O sofrimento é encarado como estranho ao humano,
algo que precisa ser destruído imediatamente, não há espaço para o sofrimento
onde reina a satisfação imediata. A subjetividade
dá lugar a objetividade. O bem estar é adquirido e não mais construído
respondendo as elaborações dos conflitos, mesmo porque, não há também espaço
para conflitos. Segundo Roudinesco
(2000), esta sociedade passou da era do confronto para a era da evitação.
Isto explica o motivo do tamanho crescimento das
substancias psicotrópicas. Receitados tanto por clínicos gerais quanto pelos
especialistas em psicopatologia, os psicotrópicos têm o efeito de normalizar o
comportamento e eliminar os sintomas mais dolorosos do sofrimento psíquico, sem
lhes buscar significação.
Daí uma concepção da norma e da patologia que repousa num principio
intangível: todo individuo tem o direito e, portanto, o dever de não mais
manifestar sofrimento, de não mais se entusiasmar com o menor ideal que não
seja o pacifismo ou o da moral humanitária. Em conseqüência disso, o ódio ao
outro tornou-se sub-reptício, perverso, e ainda mais temível por assumir a
mascara da dedicação da vítima. Se o ódio pelo outro, é inicialmente, o ódio a
si mesmo, ele repousa, como todo masoquismo, na negação imaginária da
alteridade. (Roudinesco,
2000: 9)
O hiperconsumo não permite prestar tempo para dar
significado ao sofrimento. Quanto mais
rápido o indivíduo se livra do sofrimento mais ele está disposto a alimentar o
consumismo. O próprio sofrimento se
torna objeto do hiperconsumo.
Não surpreende, portanto, que o sofrimento que fingimos
exorcizar retorne de maneira fulminante no campo das relações sociais e
afetivas: recurso ao irracional, das pequenas diferenças, valorização do vazio
e da estupidez etc.
Vale ressaltar que a angústia e os conflitos são
inerentes ao ser humano, quanto mais se evita e se recalca tais sentimentos,
mais ele se tornará feroz e tenderá a se manifestar de maneira disfarçada para
limitar a liberdade e o direito de escolha do indivíduo. O sujeito passa a ser,
portanto, presa fácil deste ciclo – buscar soluções rápidas e eficazes para não
sofrer, e como o sofrimento é inerente, a busca ganha ainda mais força.
A construção do relacionamento também não escapa do
imediatismo. Os indivíduos utilizam dos mesmos critérios de rapidez e
superficialidade ao constituir relações como o externo. Na mesma rapidez de que se constrói também se
dissolve, basta apenas um clique para que o outro não faça mais parte da minha
rede de relações.
Bauman
(2008) inclusive sugere a alteração do termo relações sociais para ralações
plugadas, ou seja, o contato é cada vez mais virtualizado, a instantaneidade
dos acontecimentos trasbordam os fatos e invadem as relações humanas.
A Espiritualidade
Consumista
É evidente que o neopentecostalismo não escapa das
características da sociedade contemporânea citada acima. O hiperconsumo se faz
presente no que há de essencial neste modelo religioso. De certa maneira, as
instituições religiosas se servem destas consequências para agregar novos
adeptos. É possível identificar nos discursos a mesma característica das
relações pós-modernas. São recheados de manifestações contrárias ao sistema,
entretanto, não abrem mão dele para ganhar poder e crescer em quantidade de
membros.
Segundo Lipovetsky (2007), a religião não constitui mais
um contra poder no avanço do consumo no mundo. A diferença do passado, a Igreja
não alega mais a noção de pecado mortal, não exalta mais nem o sacrifício e nem
a renúncia. A idéia de prazer e de desejo estão cada vez menos assoado a
tentação, a necessidade de carregar a cruz na terra desapareceu. De uma
religião centrada na salvação no além, o neopentecostalismo trouxe uma religião
a serviço da felicidade intramundana, enfatizando a realização pessoal. O
universo do hiperconsumo não foi o túmulo da religião, mas o instrumento de sua
adaptação à civilização moderna da felicidade terrestre.
A esse respeito Lipovetsky diz que:
Quando uma concepção intramundana e subjetiva de salvação domina, cresce
paralelamente a mercantilização das atividades religiosas e pararreligiosas,
tendo os indivíduos necessidade de encontrar no exterior meios para consolidar
seu universo de sentido, que a religião institucional já não consegue construir
(...). Eis que a espiritualidade tornou-se mercado de massa, produto a ser
comercializado, setor a ser gerido e promovido. O que constituía uma barreira à
explosão da mercadoria metaformoseou-se em uma alavanca de seu alargamento.
(Lipovetsky, 2007: 131)
O discurso religioso vem de encontro com as necessidades
contemporâneas. As necessidades básicas e cotidianas são perfeitamente
solucionadas através da fé. Saúde, um bom trabalho, dinheiro e bons
relacionamentos são disponibilizados ao sujeito na mesma medida que ele,
através da fé, se entrega a Deus. Neste
discurso, não há lugar para o sofrimento, se isto ocorre, é porque o fiel está
distante de Deus. Se qualquer tipo de moléstia o atinge, é porque ele não tem a
presença de Deus em sua vida.
As dificuldades, angústias e sofrimentos são encaradas
como ações demoníacas. O indivíduo que está desempregado, com problemas de
saúde ou coisas parecidas, são aqueles que estão sob influências demoníacas,
cabe a este, se dirigir a uma das instituições religiosas para reverter este
quadro. O milagre acontece independentemente do problema se o individuo se
presta a seguir o Deus apresentado pela
instituições. Que em alguns
casos, cabe ao indivíduo contribuir financeiramente para pertencer aos
agraciados por Deus.
Percebe-se que o paradigma apresentado é muito simples e
também muito rápido. Basta obedecer o esquema apresentado pela instituição, e,
em um passe de mágica, sua vida se transforma. As maldições se transformam em
bênçãos, a miséria se transforma em prosperidade. A solução para a felicidade se
apresenta de forma rápida, concreta e visível para que todos percebam.
O que acontece em um indivíduo se ele não encontra a
cura e a prosperidade? Só existe uma explicação: A falta de fé. Esta falta de
fé faz com que o demônio se aproxime desta pessoa, dando a ela sofrimento e
dificuldades. Diante deste quadro cabe ao fiel buscar Deus com maior
intensidade, renunciar o profano e aderir ao sagrado em tudo. O indivíduo entra em um movimento de tentar
ter de Deus o que ele está precisando, e para isso, precisa encontrar Deus em tudo. O fiel começa a
consumir produtos que remetem à idéia de ter Deus consigo. Adquire camisetas
como mensagens “bonitas” CD´s e livros falando do evangelho, etc.
E se mesmo assim o indivíduo não encontra a
prosperidade? Terrivelmente já está instalado neste indivíduo a culpa. Recai
sobre ele, e não sobre os problemas sociais que o envolve, mas tão somente nele
o sentimento de não ser amado, e não pertencer dentre os escolhidos por Deus. E
por que razão? Porque ele não foi capaz e digno de merecimento. Este indivíduo
necessita agora aliviar está culpa. Onde ele vai? Em um lugar que tem
pretensões de prometer o alívio do sofrimento. Ai está instalado o ciclo
sofrimento – alivio – sofrimento.
Sabemos que o sofrimento é inerente ao ser humano, e
que, portanto, não pode ser eliminado, mas dar sentido a este sofrimento.
Somente desta forma pode-se escapar do ciclo. Roudinesco(2005).
Referências Bibliográficas
BAUMAN, Zygmunt. “Vida para consumo – A Transformação das pessoas
em mercadoria”. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
LIPOVETSKY, Gilles. “A Felicidade
Paradoxal – Ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo”. São Paulo: Companhia
das Letras, 2007.
MENDONÇA, A. Gouvêa; VELASQUES
Fº, Prócoro. “Introdução ao
Protestantismo no Brasil”. 2ª Edição. São Paulo: Edições Loyola e Programa
ecumênico de pós-graduação em Ciências da Religião, 2002.
ROMEIRO, Paulo. “Decepcionados Com a Graça – esperanças e
frustrações no Brasil neopentecostal”. São Paulo: Mundo Cristão, 2005.
__________ , “Super Crentes – O evangelho segundo Kenneth Hagin, Valnice Milhomens e
os profetas da prosperidade”. 2ª ed. rev. São Paulo: Mundo Cristão, 2005.
ROUDINESO, Elisabeth. “Por que a psicanálise?”. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2000.
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