quinta-feira, 26 de abril de 2012

Considerações sobre religião e a cultura do hiperconsumo


Percebe-se que o discurso religioso sofreu consideráveis transformações por conta da atual cultura do consumo. As mutações culturais advindas da “pós-modernidade” não deixaram ilesas as manifestações religiosas populares, bem como seu novo modelo teológico.  O paradigma religioso contemporâneo acompanha as atuais características sociais de relação Eu/outro, relacionados ao imediatismo, superficialidade, obrigação do gozo e do prazer continuo.

Não é difícil perceber que o ser humano se destitui da condição de sujeito para a condição de objeto.  O que faz dele objeto, é justamente a impossibilidade de escapar deste ciclo produtivo, que tem como característica o movimento de oferecer para receber.  As relações, seja ela com Deus ou com o Outro, são marcadas pela barganha, ou seja, eu recebo da mesma medida que eu dou.

A nova era do capitalismo é condição preponderante para entendermos a condição atual do psiquismo humano e da sociedade. Pouco a pouco, o espírito de consumo conseguiu infiltrar-se até nas relações com a família e a religião, com a política e o sindicalismo, e, sobretudo com a cultura.

Segundo Lipovetsky (2007) ultrapassamos a era do consumo para a era do hiperconsumo.  Neste quadro, verifica-se um grande e terrível paradoxo. O hiperconsumidor de um lado afirma que é um consumidor informado e “livre”, que vê seu leque de escolhas ampliar-se, que consulta portais e comparadores de preços, aproveita as grandes promoções, age sempre procurando otimizar a relação qualidade/preço. Do outro, os modos de vida, os prazeres e os gostos mostram-se cada vez mais sobre dependências do sistema mercantil, portanto, tenho que ter para ser.

O hiperconsumidor não está mais apenas ávido de bem estar material, preocupado com a funcionalidade e benefícios do produto, ele aparece como solicitante de conforto psíquico. O produto para ser bom é obrigado causar sensações de bem estar, felicidade e sabedoria. 

A civilização consumista se caracteriza pelas aspirações de bem estar e pela busca de uma vida melhor para si mesmo e os seus. Existe uma forte idéia de que se vive mais e melhor beneficiando-se com melhores condições materiais. O ascetismo cedeu lugar ao hedonismo.

As publicidades tendem a associar todo e qualquer produto ao gozo no aqui e agora. São criadas necessidades que impulsionam o indivíduo a dialética de ter para pertencer. O indivíduo é cercado de parafernália de produtos dispostos a facilitar sua vida, e, ao mesmo tempo, a promessa de dar com extrema rapidez o que sem o produto nunca foi possível. Em suma, a felicidade é agora o grande projeto de marketing.

Se o indivíduo adquire um produto ele está em iguais condições com o outro que também adquiriu. A igualdade perpassa pela condição de ter, em outras palavras, não existe a possibilidade de escapar desta avalanche, se o indivíduo não tem, ele está fora das normas, está desatualizado e desassociado à modernidade. A exclusão e a inclusão relacionam-se com a possibilidade de posse.  Subjacente a isso, percebe-se a existência de um pedido latente de emancipação, sublinhando a igualdade de todos perante a lei, mais a cultura do consumo acentua a diferença.

O bem estar, o prazer e o gozo imediato da sociedade contemporânea estão associados ao exercício contínuo de afastamento do desconforto e do sofrimento. O sofrimento é encarado como estranho ao humano, algo que precisa ser destruído imediatamente, não há espaço para o sofrimento onde reina a satisfação imediata.  A subjetividade dá lugar a objetividade. O bem estar é adquirido e não mais construído respondendo as elaborações dos conflitos, mesmo porque, não há também espaço para conflitos. Segundo Roudinesco (2000), esta sociedade passou da era do confronto para a era da evitação.

Isto explica o motivo do tamanho crescimento das substancias psicotrópicas. Receitados tanto por clínicos gerais quanto pelos especialistas em psicopatologia, os psicotrópicos têm o efeito de normalizar o comportamento e eliminar os sintomas mais dolorosos do sofrimento psíquico, sem lhes buscar significação.

Daí uma concepção da norma e da patologia que repousa num principio intangível: todo individuo tem o direito e, portanto, o dever de não mais manifestar sofrimento, de não mais se entusiasmar com o menor ideal que não seja o pacifismo ou o da moral humanitária. Em conseqüência disso, o ódio ao outro tornou-se sub-reptício, perverso, e ainda mais temível por assumir a mascara da dedicação da vítima. Se o ódio pelo outro, é inicialmente, o ódio a si mesmo, ele repousa, como todo masoquismo, na negação imaginária da alteridade. (Roudinesco, 2000: 9)

O hiperconsumo não permite prestar tempo para dar significado ao sofrimento.  Quanto mais rápido o indivíduo se livra do sofrimento mais ele está disposto a alimentar o consumismo.  O próprio sofrimento se torna objeto do hiperconsumo.

Não surpreende, portanto, que o sofrimento que fingimos exorcizar retorne de maneira fulminante no campo das relações sociais e afetivas: recurso ao irracional, das pequenas diferenças, valorização do vazio e da estupidez etc. 

Vale ressaltar que a angústia e os conflitos são inerentes ao ser humano, quanto mais se evita e se recalca tais sentimentos, mais ele se tornará feroz e tenderá a se manifestar de maneira disfarçada para limitar a liberdade e o direito de escolha do indivíduo. O sujeito passa a ser, portanto, presa fácil deste ciclo – buscar soluções rápidas e eficazes para não sofrer, e como o sofrimento é inerente, a busca ganha ainda mais força.

A construção do relacionamento também não escapa do imediatismo. Os indivíduos utilizam dos mesmos critérios de rapidez e superficialidade ao constituir relações como o externo.  Na mesma rapidez de que se constrói também se dissolve, basta apenas um clique para que o outro não faça mais parte da minha rede de relações. 

Bauman (2008) inclusive sugere a alteração do termo relações sociais para ralações plugadas, ou seja, o contato é cada vez mais virtualizado, a instantaneidade dos acontecimentos trasbordam os fatos e invadem as relações humanas.


A Espiritualidade Consumista 

É evidente que o neopentecostalismo não escapa das características da sociedade contemporânea citada acima. O hiperconsumo se faz presente no que há de essencial neste modelo religioso. De certa maneira, as instituições religiosas se servem destas consequências para agregar novos adeptos. É possível identificar nos discursos a mesma característica das relações pós-modernas. São recheados de manifestações contrárias ao sistema, entretanto, não abrem mão dele para ganhar poder e crescer em quantidade de membros.

Segundo Lipovetsky (2007), a religião não constitui mais um contra poder no avanço do consumo no mundo. A diferença do passado, a Igreja não alega mais a noção de pecado mortal, não exalta mais nem o sacrifício e nem a renúncia. A idéia de prazer e de desejo estão cada vez menos assoado a tentação, a necessidade de carregar a cruz na terra desapareceu. De uma religião centrada na salvação no além, o neopentecostalismo trouxe uma religião a serviço da felicidade intramundana, enfatizando a realização pessoal. O universo do hiperconsumo não foi o túmulo da religião, mas o instrumento de sua adaptação à civilização moderna da felicidade terrestre.
A esse respeito Lipovetsky diz que:

Quando uma concepção intramundana e subjetiva de salvação domina, cresce paralelamente a mercantilização das atividades religiosas e pararreligiosas, tendo os indivíduos necessidade de encontrar no exterior meios para consolidar seu universo de sentido, que a religião institucional já não consegue construir (...). Eis que a espiritualidade tornou-se mercado de massa, produto a ser comercializado, setor a ser gerido e promovido. O que constituía uma barreira à explosão da mercadoria metaformoseou-se em uma alavanca de seu alargamento. (Lipovetsky, 2007: 131)

O discurso religioso vem de encontro com as necessidades contemporâneas. As necessidades básicas e cotidianas são perfeitamente solucionadas através da fé. Saúde, um bom trabalho, dinheiro e bons relacionamentos são disponibilizados ao sujeito na mesma medida que ele, através da fé, se entrega a Deus.  Neste discurso, não há lugar para o sofrimento, se isto ocorre, é porque o fiel está distante de Deus. Se qualquer tipo de moléstia o atinge, é porque ele não tem a presença de Deus em sua vida. 

As dificuldades, angústias e sofrimentos são encaradas como ações demoníacas. O indivíduo que está desempregado, com problemas de saúde ou coisas parecidas, são aqueles que estão sob influências demoníacas, cabe a este, se dirigir a uma das instituições religiosas para reverter este quadro. O milagre acontece independentemente do problema se o individuo se presta a seguir o Deus apresentado pela  instituições.  Que em alguns casos, cabe ao indivíduo contribuir financeiramente para pertencer aos agraciados por Deus.
Percebe-se que o paradigma apresentado é muito simples e também muito rápido. Basta obedecer o esquema apresentado pela instituição, e, em um passe de mágica, sua vida se transforma. As maldições se transformam em bênçãos, a miséria se transforma em prosperidade. A solução para a felicidade se apresenta de forma rápida, concreta e visível para que todos percebam.
O que acontece em um indivíduo se ele não encontra a cura e a prosperidade? Só existe uma explicação: A falta de fé. Esta falta de fé faz com que o demônio se aproxime desta pessoa, dando a ela sofrimento e dificuldades. Diante deste quadro cabe ao fiel buscar Deus com maior intensidade, renunciar o profano e aderir ao sagrado em tudo.  O indivíduo entra em um movimento de tentar ter de Deus o que ele está precisando, e para isso, precisa encontrar Deus em tudo. O fiel começa a consumir produtos que remetem à idéia de ter Deus consigo. Adquire camisetas como mensagens “bonitas” CD´s e livros falando do evangelho, etc. 

E se mesmo assim o indivíduo não encontra a prosperidade? Terrivelmente já está instalado neste indivíduo a culpa. Recai sobre ele, e não sobre os problemas sociais que o envolve, mas tão somente nele o sentimento de não ser amado, e não pertencer dentre os escolhidos por Deus. E por que razão? Porque ele não foi capaz e digno de merecimento. Este indivíduo necessita agora aliviar está culpa. Onde ele vai? Em um lugar que tem pretensões de prometer o alívio do sofrimento. Ai está instalado o ciclo sofrimento – alivio – sofrimento.

Sabemos que o sofrimento é inerente ao ser humano, e que, portanto, não pode ser eliminado, mas dar sentido a este sofrimento. Somente desta forma pode-se escapar do ciclo. Roudinesco(2005).


Referências Bibliográficas


BAUMAN, Zygmunt. “Vida para consumo – A Transformação das pessoas em mercadoria”. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

LIPOVETSKY, Gilles. “A Felicidade Paradoxal – Ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo”. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

MENDONÇA, A. Gouvêa; VELASQUES Fº, Prócoro. “Introdução ao Protestantismo no Brasil”. 2ª Edição. São Paulo: Edições Loyola e Programa ecumênico de pós-graduação em Ciências da Religião, 2002.

ROMEIRO, Paulo. “Decepcionados Com a Graça – esperanças e frustrações no Brasil neopentecostal”. São Paulo: Mundo Cristão, 2005.

__________ , “Super Crentes – O evangelho segundo Kenneth Hagin, Valnice Milhomens e os profetas da prosperidade”. 2ª ed. rev. São Paulo: Mundo Cristão, 2005.

ROUDINESO, Elisabeth. “Por que a psicanálise?”. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.



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