Certamente
você irá concordar comigo que errar é humano. É bem verdade que pelo menos uma
vez na vida nós já repetimos essa frase, ou para justificar nossos erros, ou
para consolar quando erram. Agora, consolos e justificativas têm limites, por
isso essa frase nunca aparece sozinha, ela vem acompanhada de um anexo que não
se dá ao cuidado de se camuflar, ele não é feito as minúsculas letras escritas
em arial dois nas propagandas de bebidas alcoólicas, e nas promoções de carros
zero km. Imagino que você já tenha pensado qual seria o complemento da frase. –
talvez até repetido algumas vezes – Errar
é humano, mas repetir o erro é burrice.
Vamos
agora imaginar, ou pelo menos tentar entender, o que se passava na cabeça do
primeiro ser – que por sinal humano – que proclamou essa ilustre e contundente
frase.
Diria
ele: Um erro repetido não se justifica, não se perdoa, ele não é digno de
misericórdia, concedido uma única vez damos a ele o nome de erro, mas duas
vezes passa-se a chamar-se fracasso, desleixo, incompetência,
irresponsabilidade, ou outro nome que possa caracterizá-lo como merecedor de
apontamentos e acusações. Ora, como podemos suportar a ideia de alguém – que
por sinal humano – não ter a capacidade de reconhecer o erro, e, ignorando-o,
repete-o? Que humano poderia suportar e conviver com esse tipo de humano? Não
há humanidade que resista. Se eu tiver que contratar um ser – que por sinal
humano – que seja um “mono-errante”. Se eu tiver que conviver com um ser – que
por sina humano – que seja um “mono-errante”
Enfim...
Que o ser humano nasça, reproduza, erre apenas uma vez e morra.
Perceba
como a frase sorrateiramente perpetua-se como uma espécie de inquisição moral.
Ela lentamente encontra espaço nas relações humanas, nas famílias, e,
principalmente, encontra um solo fértil e nutritivo, concede plenas condições a
uma semente ávida para brotar, solo este chamado capitalismo. Pronto, um
casamento perfeito, uma união eterna, um solo onde o humano é desumanizado, um
lugar onde o reincidente perde espaço.
Caro amigo leitor, não há nada mais humano do que esta frase, não em seu conteúdo e forma, mas em sua motivação. Somos nós – que por sinal humanos – inquisidores morais por natureza. Ao recitá-la, nos unimos ao mentor da frase, e assumimos nossa plena condição humana. Não há nada mais humano do que desumanizar o outro – que por sinal humano -. Não há nada mais humano do que se apresentar intolerante ao erro e ao fracasso. A culpa, que é o papel onde a frase foi escrita, só tem sentido e se sustenta, se a inquisição moral está presente.
Para
suportar a culpa e o erro em nós, fazemos do outro, tão somente o outro, figura
ameaçadora. Mas todos nós sabemos que o que se torna ameaçador não é de fato o
outro, mas a ideia de que o que o outro tem nós também temos, e não suportamos.
Por isso, colocamos o outro na posição de errante culposo. Dessa maneira, a
intolerância tira de nós a angustia, angustia esta de saber que podemos também
ser igual ao outro que reincide no erro. Ao falarmos que apenas um erro é
permitido, criamos uma espécie de consciência coletiva que se espalha na
sociedade e incide em nós. Portanto, querido leitor, nos aliviamos e degustamos
quando vemos os erros dos outros, mas também isso nos trás culpa, afinal, seria
desumano demais tripudiar no erro dos outros. Qual seria a melhor maneira de
velar essa culpa? Intolerância!
Para
suportar nossa humanidade não há outra saída do que desumanizar o outro. A
humanidade do outro é espelho da nossa humanidade, isso nos incomoda. Por fim,
qual seria então o alvo da nossa intolerância? Já está mais que respondido. Não
toleramos no outro, o que também somos capazes de fazer.
Gustavo
Trevisan.
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