quinta-feira, 19 de abril de 2012

Errar é humano, repetir o erro é mais humano ainda

Certamente você irá concordar comigo que errar é humano. É bem verdade que pelo menos uma vez na vida nós já repetimos essa frase, ou para justificar nossos erros, ou para consolar quando erram. Agora, consolos e justificativas têm limites, por isso essa frase nunca aparece sozinha, ela vem acompanhada de um anexo que não se dá ao cuidado de se camuflar, ele não é feito as minúsculas letras escritas em arial dois nas propagandas de bebidas alcoólicas, e nas promoções de carros zero km. Imagino que você já tenha pensado qual seria o complemento da frase. – talvez até repetido algumas vezes – Errar é humano, mas repetir o erro é burrice.

Vamos agora imaginar, ou pelo menos tentar entender, o que se passava na cabeça do primeiro ser – que por sinal humano – que proclamou essa ilustre e contundente frase.
Diria ele: Um erro repetido não se justifica, não se perdoa, ele não é digno de misericórdia, concedido uma única vez damos a ele o nome de erro, mas duas vezes passa-se a chamar-se fracasso, desleixo, incompetência, irresponsabilidade, ou outro nome que possa caracterizá-lo como merecedor de apontamentos e acusações. Ora, como podemos suportar a ideia de alguém – que por sinal humano – não ter a capacidade de reconhecer o erro, e, ignorando-o, repete-o? Que humano poderia suportar e conviver com esse tipo de humano? Não há humanidade que resista. Se eu tiver que contratar um ser – que por sinal humano – que seja um “mono-errante”. Se eu tiver que conviver com um ser – que por sina humano – que seja um “mono-errante”

Enfim... Que o ser humano nasça, reproduza, erre apenas uma vez e morra.

Perceba como a frase sorrateiramente perpetua-se como uma espécie de inquisição moral. Ela lentamente encontra espaço nas relações humanas, nas famílias, e, principalmente, encontra um solo fértil e nutritivo, concede plenas condições a uma semente ávida para brotar, solo este chamado capitalismo. Pronto, um casamento perfeito, uma união eterna, um solo onde o humano é desumanizado, um lugar onde o reincidente perde espaço.

Caro amigo leitor, não há nada mais humano do que esta frase, não em seu conteúdo e forma, mas em sua motivação. Somos nós – que por sinal humanos – inquisidores morais por natureza. Ao recitá-la, nos unimos ao mentor da frase, e assumimos nossa plena condição humana. Não há nada mais humano do que desumanizar o outro – que por sinal humano -. Não há nada mais humano do que se apresentar intolerante ao erro e ao fracasso. A culpa, que é o papel onde a frase foi escrita, só tem sentido e se sustenta, se a inquisição moral está presente.

Para suportar a culpa e o erro em nós, fazemos do outro, tão somente o outro, figura ameaçadora. Mas todos nós sabemos que o que se torna ameaçador não é de fato o outro, mas a ideia de que o que o outro tem nós também temos, e não suportamos. Por isso, colocamos o outro na posição de errante culposo. Dessa maneira, a intolerância tira de nós a angustia, angustia esta de saber que podemos também ser igual ao outro que reincide no erro. Ao falarmos que apenas um erro é permitido, criamos uma espécie de consciência coletiva que se espalha na sociedade e incide em nós. Portanto, querido leitor, nos aliviamos e degustamos quando vemos os erros dos outros, mas também isso nos trás culpa, afinal, seria desumano demais tripudiar no erro dos outros. Qual seria a melhor maneira de velar essa culpa? Intolerância!

Para suportar nossa humanidade não há outra saída do que desumanizar o outro. A humanidade do outro é espelho da nossa humanidade, isso nos incomoda. Por fim, qual seria então o alvo da nossa intolerância? Já está mais que respondido. Não toleramos no outro, o que também somos capazes de fazer.


Gustavo Trevisan.




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